Por que falar novamente de autocoleta de HPV?
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Você já deve ter ouvido que “o futuro do rastreio do câncer de colo do útero é o DNA-HPV”. Na prática, esse futuro já chegou em vários países – e, aos poucos, está chegando ao Brasil. E um dos maiores protagonistas dessa mudança é a autocoleta do HPV.
A seguir, vou te explicar de forma simples o que está acontecendo no mundo e como está esse processo por aqui.
Por que falar de autocoleta de HPV?
Por muitos anos, o Papanicolau foi o exame padrão para rastrear o câncer de colo do útero. Ele analisa células do colo para ver se já existem alterações pré-cancerosas.
Hoje, sabemos que é possível dar um passo antes: em vez de esperar a célula mudar, podemos detectar diretamente o DNA do HPV de alto risco, vírus responsável pela imensa maioria dos casos de câncer de colo do útero. Exames de DNA-HPV têm sensibilidade significativamente maior que a citologia para detectar lesões precursoras. (clinicalmicrobiologyandinfection.org)
Vários estudos mostraram que, quando o exame de DNA-HPV é feito em amostras coletadas pela própria mulher (autocoleta), o desempenho é semelhante ao da coleta feita pelo profissional de saúde para detectar lesões de alto grau. (Frontiers)
Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomenda a testagem primária com HPV e reconhece oficialmente a autocoleta como uma estratégia adicional para ampliar a cobertura do rastreio. (Organização Mundial da Saúde)
O que está acontecendo em outros países?
Vários países de alta renda já mudaram o modelo de rastreio, abandonando o Papanicolau como exame principal e adotando o HPV como teste de escolha, muitas vezes com opção de autocoleta:
Austrália, Holanda, Suécia e Reino Unido já têm programas nacionais baseados em rastreamento primário por DNA-HPV, com intervalos mais longos entre os exames graças à alta sensibilidade do método. (RSGLOBAL)
Holanda foi pioneira em oferecer, desde 2017, a opção de autocoleta domiciliar dentro do programa organizado: a mulher recebe o kit em casa e envia a amostra para análise. (Tandfonline)
Estudos europeus mostram que programas que incluem autocoleta aumentam a cobertura de rastreio, especialmente entre mulheres que não costumam ir ao exame ginecológico de rotina. (PMC)
Nos Estados Unidos, em 2024 o USPSTF propôs diretrizes permitindo que mulheres façam autocoleta em ambiente de saúde (consultórios, clínicas, unidades móveis), e em 2024–2025 o FDA aprovou testes de HPV com autocoleta em serviços de saúde, justamente para aumentar a adesão de quem evita o exame pélvico tradicional. (Instituto Nacional de Câncer)
Em resumo: Em vários países, a autocoleta já não é “experimental”: ela é parte da política pública, às vezes como opção e, em alguns contextos, como caminho preferencial para alcançar mulheres que não se engajam no rastreio tradicional.
E no Brasil, como está esse processo?
No Brasil, o SUS ainda é majoritariamente baseado no Papanicolau, mas o cenário está mudando rapidamente.
Mudança das diretrizes nacionais
Em 2024 e 2025, o Ministério da Saúde, por meio da CONITEC, aprovou novas diretrizes para que o Brasil migre para um rastreamento organizado com teste de DNA-HPV como exame principal, usando a citologia apenas como exame complementar (triagem de casos positivos). (SciELO Saúde Pública)
Um projeto piloto em Indaiatuba (SP), que já usava teste de DNA-HPV, mostrou que esse modelo detectou cerca de 4 vezes mais lesões NIC2+ e 1,5 vez mais câncer na primeira rodada em comparação com o Papanicolau usado anteriormente, reforçando o ganho de sensibilidade. (Febrasgo)
Isso significa que o Brasil está oficialmente se preparando para colocar o DNA-HPV no centro do rastreio – um passo enorme.
Por que a autocoleta de HPV é tão promissora?
Alguns motivos que explicam por que tantos países estão caminhando nessa direção:
Conforto e autonomia: Muitas mulheres se sentem mais à vontade coletando a amostra sozinhas, em casa ou em ambiente de saúde, sem exame especular.
Maior cobertura de rastreio: Programas que oferecem autocoleta tendem a alcançar mulheres que há anos não fazem nenhum exame, reduzindo desigualdades em saúde. (PMC)
Acurácia comparável ao exame feito pelo profissional: Quando se usa teste de DNA-HPV validado, a sensibilidade da autocoleta para detectar lesões de alto grau é semelhante à da coleta clínica – com a vantagem de ser mais aceitável para muitas mulheres. (Frontiers)
Possibilidade de intervalos mais longos: Por ser mais sensível, o teste de HPV permite, para mulheres negativas, intervalos de rastreio maiores (por exemplo, a cada 5 anos), o que pode tornar o programa mais eficiente e sustentável. (clinicalmicrobiologyandinfection.org)
E o papel do Brasil nesse movimento?
O Brasil está em um momento de transição histórica:
Saindo de um modelo oportunístico baseado em Papanicolau,
Caminhando para um rastreio organizado com DNA-HPV,
Acumulando evidências sólidas de que a autocoleta é segura, bem aceita e eficaz.
Ainda há desafios: financiamento, logística, formação de profissionais, comunicação com a população e definição de fluxos claros de cuidado. Mas o caminho está traçado: o foco tende a ser cada vez mais testar o HPV com métodos mais sensíveis – e a autocoleta é uma aliada poderosa para isso.
Conclusão
A autocoleta do HPV já é uma realidade consolidada em vários países e está avançando rapidamente no Brasil, a SEE ME é uma pioneira nesse serviço aqui em nosso país.
Ela não é apenas uma “forma diferente de coletar a amostra”: é uma estratégia que pode aumentar a cobertura, reduzir desigualdades, antecipar diagnósticos e salvar vidas, principalmente quando combinada com tecnologias que também avaliam o microbioma vaginal e outras infecções associadas.
Referências (seleção)
WHO. New recommendations for screening and treatment to prevent cervical cancer. 2021. (Organização Mundial da Saúde)
WHO. HPV self-sampling as part of cervical cancer screening and treatment – self-care interventions. 2022 update. (medbox.org)
Serrano B et al. Worldwide use of HPV self-sampling for cervical cancer screening. Prev Med. 2022. (ScienceDirect)
Huntington S et al. Evidence from Europe on implementation of HPV-based cervical cancer screening and self-sampling. 2024. (Tandfonline)
Ministério da Saúde / CONITEC. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero – teste DNA-HPV. 2024–2025. (SciELO Saúde Pública)
Santos Stopa AJ et al. Tendências e desafios na detecção do HPV com autocoleta no Brasil. 2025. (revistaenfermagematual.com.br)
Dias MB et al. A New Brazilian Device for Cervical Cancer Screening: Acceptability and Accuracy of Self-sampling (SelfCervix®). 2023. (ResearchGate)
Colonetti T et al. Self-sampling for HPV testing in cervical cancer screening. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2024. (ejog.org)
Fitzpatrick MB et al. Clinical validation of a vaginal self-collection device for cervical cancer screening. JAMA Netw Open. 2025. (JAMA Network)


